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terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

AS SETE INVARIANTES de Giovanni Klaus Koenig



PRIMEIRA INVARIÁVEL: O REPERTÓRIO 

      O repertório ressemantiza as palavras, desloca a sentido dos nexos sintáticos, concentrando-se nos valores semânticos das palavras: a designação torna-se pertinente.
      Criar um repertório significa ressemantizar, recusar a inteira bagagem das normas e dos cânones tradicionais e recomeçar do zero, como se nenhum sistema lingüístico tivesse existido. O repertório propõe “uma lista de funções, a independência de qualquer cânone frente à simetria, proporção, ordem, eixo, alinhamento, relação entre o cheio e o vazio”. E ainda: “O repertório investe as funções, o programa da construção, os conteúdos sociais na arquitetura”.
     Quanta lenha na fogueira!
     Vamos começar pela primeira afirmação: repertório – ressemantizar“. Isto faz sentido em literatura, que significa reduzir os nexos sintáticos para revalorizar as “palavras” arquicas. Significa ressemantizar cada unidade espacial significante (que eu e Umberto Eco chamamos de “corema”). Mas atenção! Isto não significa de forma alguma isolar os coremas entre eles; mas somente considerar o repertório como prioritário, focar a atenção sobre os vários significados das palavras. Não quer dizer que falte sentido às designações do repertório, mas, ao contrário, que elas não são pré-constituidas: as regras sintáticas nascem inesperadamente, e este fato altera o signo e dá força ao discurso.
     Um primeiro elemento. Não há dúvidas que estamos assistindo a uma continua reclassificação de toda arquitetura (Argan falava mesmo de seu fim), e que, como conseqüência, a ressemantização torna-se uma exigência prioritária: mas será que estamos no caminho certo ao priorizar o repertório, como sendo a melhor forma para atingir este objetivo. Aldo Rossi (e também Paolo Portoghesi, me parece) pensa de maneira oposta. Para ele, como para Giorgio Grassi e todos aqueles que nascem depois de Tessenow (incluindo Albert Speer), o significado de uma arquitetura, como forma simbólica do social, é essencialmente global. A construção “lógica” da arquitetura ensina a reiterar células espaciais simples e facilmente compreensíveis, de significado elementar.
 O significado global das arquiteturas na escola de Aldo Rossi surge na dilatação das dimensões: estas sim, anormais, como as pirâmides do Egito. É melhor não perder tempo negando estas teorias, sob as quais se esconde a neo-academia contemporânea. Criar um repertório das janelas de um prospecto ou os volumes de uma habitação, para ressemantizar a arquitetura, significa compor por núcleos (por coremas), fazendo desta forma de expressão uma forma mais analítica do conteúdo, sem nunca confiar a priori que uma análise seja válida para A e também para B. Um exemplo que vale por todos, uma sala de aula projetada para uma escola, esta poderia ser adaptada para todas as salas de aula. No entanto, isto não é verdade, no Liceu Lumem de Scharoun, as salas de aula das meninas da quarta e quinta série são diferentes das outras, porque nesta fase (que os pedagogos chamam “de reflexiva”), quando a jovem se descobre mulher (13-15 anos), as exigências interiores são totalmente específicas. E, portanto, devem estar refletidas no espaço, sobre a iluminação (indireta) e sobre a arquitetura que o materializa, um espaço não fechado, mas mais claustral: onde as meninas se sintam mais protegidas e mais solidárias entre elas. A forma específica de expressão (salas de aula de acordo com a faixa etária) corresponde a uma precisa transformação da substância do conteúdo (criar uma escola para 360 meninas) em forma do conteúdo (sublinhar o desenvolvimento, físico e mental), que comporta um repertório de funções diversas, para que estes fatores se equiparem.
     Isto pode parecer exagerado, “luxuoso”, inutilmente complicado. Ainda tem quem pensa que para educar um jovem é melhor projetar uma escola que, como forma simbólica, lhe transmita globalmente valores que podem ser comunicados: a relação com a cidade, seu caráter não repressivo... Bem, o Liceu Lúmen comunica estes valores perfeitamente, melhor do que em qualquer outra escola. Estamos plenamente de acordo com P. P. Pasolini, na sua mais recente polemica. Se não agirmos antropologicamente no delicadíssimo momento da formação da personalidade, direcionando-a em relação à doutrinação ideológica, nada nos permitirá distinguir dois jovens que levam no bolso diferentes afiliações políticas – um bom e outro ruim – já que a estrutura mental deles será inconscientemente, e igualmente, condicionada.
     A ressemantização analítica adquire agora um sentido mais preciso: oposição, resistência à padronização das consciências, pressuposto de funções e necessidades, sobre as quais se baseiam a civilização do consumo. Vamos repetir até a exaustão: o achatamento das consciências e a unificação dos desejos individuais, sonho dos planejadores soviéticos, não menos do que dos capitães da indústria norte-americana (indiferentes se um dissidente termine no manicômio, porque é obrigado, ou porque vai sozinho drogado pela desesperação) é o pressuposto do atual achatamento semântico da arquitetura. Colocado em movimento este inexorável processo de trituração, homem e sociedade, a consciência e o espaço se refletem um no outro, em uma sociedade universal de socorro mútuo onde “tout se tient”.
     Podemos nos opor de várias maneiras, mas é igualmente valido se mover no plano ideológico, assim como no arquitetônico. Afirmar que ela é apenas um reflexo, sem possibilidade de influir sobre o homem, significa permanecer cegos e surdos aos valores que a arquitetura transmite. Nada mal, a mãe natureza não é boazinha com todos: mas quem realmente pensa assim, deveria abandonar a arquitetura. Igualmente ilusório – não é inútil repetir – é pensar em revolucionar o mundo através da arquitetura, com operações formais, que ninguém acredita. É ainda possível continuar brigando sobre este falso problema? Unicuique suum. E a acusação de don quixotismo (aqui, a dessemantizações a serem combatidas parecem moinhos ao vento) repete apenas aquilo que a televisão, dia após dia, transmite mais habilmente como porta-voz. Porque criar uma linguagem quando se tem o dever de ser compreendido por todos? Lulu de Alban Berg – mas estamos loucos? A canzonissima tem sempre um maior índice de audiência (ou tinha?).
     Dá-se o mesmo na arquitetura. Porque construir apenas três escolas, se com o mesmo dinheiro, poderiam ser construídas cinco? Naturalmente (mas não dizem) são caixas de lata pré-fabricadas, horríveis de se ver e estar. No entanto, são poucos os que protestam: a chantagem: você trabalha para os ricos e, portanto, é um fascista (assonância cerebral); assuma você mesmo a responsabilidade de deixar um garoto sem escola (e sempre vai existir um). A verdade é que nenhuma ressemantização sequer sonhou de voltar à época pré-industrial e construir casas de pedra; queremos apenas nos opor ao extra poder do mundo industrial-consumistico, propondo soluções um pouco mais inteligentes às indústrias. Como observou Enzo Fratelli (L´a, n. 221): a pré-fabricação por componente, por exemplo, do ponto de vista lingüístico é uma tentativa de ressemantizar os elementos da arquitetura, através da mediação das exigências de produção industrial com a liberdade de montagem. Ou seja, permitir a cada usuário a liberdade de compor o repertório que desejar, seu repertório pessoal de funções que se transforma em repertório de espaços e volumes, participando enquanto fruidor nesta operação expressiva. Isto já seria um grande passo.
     Como conclusão: sobre a abrangência desta primeira invariável estamos de acordo: “se for esquecida, todas as outras caem por terra”. Como forma de expressão, ela possui uma homologia precisa no campo das formas do conteúdo. Refazer sempre o repertório, sem confiar naqueles já feitos, é antes de tudo uma regra moral: a recusa de aceitar um sistema ou uma situação social pré-constituída, esforçando-se em criticá-la e modificá-la, mesmo se isto requer uma luta contínua contra o poder.
     E não nos iludamos: toda forma de oposição ao poder, hoje, como forma organizada de se chegar ao poder, é poder em si, tende a se tornar rígida em esquemas com o mesmo grau de intolerância das posições adversárias. E lutar internamente neste contra-poder é tão pouco divertido e tão cansativo – “mas então, o que você está fazendo entre nós”? – que poucos têm coragem de fazê-lo.
     À margem, observava Giorgio Spini em um recente simpósio, enquanto a história é quase toda história de luta contra o poder da parte dos despossuídos, a história da arquitetura é quase sempre história do poder – a sua estrutura formal – sem ela não se pode fazer arquitetura. Correto, mas é naquele “quase” que se encontra a chave de tudo. Basta percorrer a história da arquitetura: as obras que significaram alguma coisa foram realizadas contra o poder, a negação do código formal corresponde sempre a uma análoga violação de conteúdos. Le Corbusier não conseguiu este feito nas Nações Unidas, mas sim no Centrosoyuz moscovita. Wright não conseguiu na St. Mark Tower, mas sim na Price: que contradiz o código dos arranha-céus norte-americanos exatamente como o Centrosoyuz aqueles soviéticos? E Michelangelo, Brunelleschi, Borromini, foram servos do poder ou fortes combatentes, pelas suas idéias antes mesmo do que pelas suas arquiteturas: A reação dos poderosos foi sempre a mesma: “Se eu soubesse que o resultado seria este, não deixaria que você fizesse”. Mesmo a respeito da Torre Eiffel foi dito: “Fiquem tranqüilo, dentro de seis meses a demoliremos”.
     Mas enfim tudo muda.
     Por isto vamos corrigir o amigo Spini, quando afirma sua verdade quantitativa, para o Zeppelinfeld de Norimberg, Speer gastou em granito, mármore e cimento o equivalente a construção de um navio, com Adolfo que gozava nas calças de alegria ao ver aquela quantidade de mármore, dispostos em bela ordem. No mesmo período, Scharoun apresentou um falso projeto ao município de Berlin para depois construir a casa Baensch como queria, e por isto foi suspenso da associação dos arquitetos. Entre os milhares de metros cúbicos do estádio de Norimberg e os quatrocentos apenas, incluindo seu espaço interno, da casa Baensch, quais entre as duas obras foram registradas pela história da arquitetura? Durante os vinte anos do fascismo foram impressos toneladas de papel com os discursos do Mascellone, para servir de exemplo aos italianos. Mas, que fim tiveram, mesmo antes do 25 de julho? Vale dizer que três versos de Quasimodo permaneceram. Na arquitetura é a mesma coisa, mesmo quando é mais fácil jogar no lixo um livro medíocre do que demolir uma feiúra, como a Biblioteca Nacional de Florença.
     






















SEGUNDA INVÁRIAVEL: ASSIMETRIA E DISSONANCIA
      Este é o ponto mais discutido e discutível, porque sinaliza um estagio mais avançado em relação ao repertório: “não basta apenas relacionar as diferenças funcionais, mas tornar-se consciente delas e apontar seus contrastes”. O repertório poderia parecer somente uma “substancia do conteúdo”, e não forma, e que esta surgisse nesta segunda invariável. Mas não é assim, nem poderia ser, porque cada repertório de funções já é uma escolha intencional, uma forma do conteúdo. Todo valor ideológico que foi dado ao repertório cairia por terra: seria apenas uma lista escrita por um servente. Tomar consciência das diversidades funcionais já faz parte da primeira operação; um repertório “objetivo” é um mito, e consequentemente perigoso.
      Mas se adicionamos: “e apontar seus contrastes”. Eis o ponto justo. Ao fazer um repertório, muitas vezes, por preguiça mental e por amor à ordem, ficamos tentados a ajustar as coisas, de forçá-las a entrar nos arquivos mentais pré-constituídos. E já que as funções humanas não conhecem a simetria nem facilmente estão de acordo, muitas vezes uma palavra é usada em todos os versos, em nome da harmonia formal e da simetria. Em outras palavras, esta segunda invariável afirma que a assimetria e dissonância são as formas da expressão que melhor concordam com as formas do conteúdo codificadas na primeira invariável.
     Recorre-se mais uma vez à comparação com a música dodecafônica, retomando as teses de Adorno. Não menos importante, eu adicionarei a arritmia à assimetria e à dissonância. Repensando os temas de uma antiga conversa com Scharoun em Berlin (onde chegávamos de Frankfurt, depois de uma visita a Adorno), e outra mantida com Luigi Dallapiccola, na casa de Roman Vlad – em Berlin – fiquei convencido de que os procedimentos reiterativo-repressivos não se explicam tanto com as simetrias mas com a simples repetição, isto é, com o ritmo. Quanto mais simples é o ritmo, maior é a obsessão (o “Bolero” de Ravel). Ora, a repetição obsessiva, como passo cadenciado dos soldados, criando a sensação de uma batida regular – emparelhamento dos tolos e débeis – esta é a base da técnica repressiva de qualquer fascismo, de qualquer ditadura do pensamento. Pensamento este que se alimenta sempre do sonho – felizmente ilusório – de parar o tempo: que nada interrompa, pensava Hitler, os planos de um “Reich milenário”. Podendo até se transformar em monomania (basta um imprevisto para desencadear uma crise de furor) e loucura: Hitler fechado no antro, com os russos a trezentos metros do Bunker, antes de se matar, redesenhava o Panteão de Linz, indeciso na escolha de nove ou sete colunas coríntias do prospecto. Pedia conselhos aos atônitos generais. O ritmo das colunas – o único que ficou sobre a carta azul da cianografia – entre a arritmia das explosões e o salve-se quem puder, era, para este arquiteto fracassado e reprimido, o único verdadeiro conflito antes do fim. Mesmo os geniais Stravinsky e Orff substituem com o ritmo todo momento de debilidade inventiva (era esta a objeção de Dallapicola), permanecendo do lado de cá da fronteira que os separa dos músicos da escola de Viena: na boa companhia de Mies van der Rohe. Não por acaso, as estruturas compositivas, arrítmicas e dissonantes, dos arquitetos expressionistas, de Mendelsohn a Taut, de Scharoun a Haring, se encontravam mais próximas dos músicos dodecafônicos.
     
 Escutar “Sobrevivente de Varsóvia”, de Schoenberg na Filarmônica, com o barítono isolado no alto, entre o público, a orquestra ao centro e o coro atrás dos espectadores, que surge de maneira imprevista no “Kol Nidrè” final, provocaria calafrio mesmo a um fascista surdo, tamanha é a conjunção entre palavras, música e espaço que nos envolve, finalmente o Teatro Total.
     A nona de Beethoven é muito aprazível também no Scala; o “Sobrevivente de Varsóvia”, recitado pelo mesmo barítono em frack sobre o palco cênico piermariniano, adornado de palmas, torna-se uma simples representação, não emociona e comove como dentro do espaço scharouniano, arrítmico e assimétrico. Certo, podemos refutá-lo, mas refutando Scharoun se deve refutar também Schoenberg e vice versa. E depois, naturalmente, revelar quem realmente somos, independente da identidade que levamos no bolso: certamente não estamos empenhados em transformar o mundo.
     No entanto, o núcleo é outro: pode-se ouvir todo dia a música dodecafônica pos-weberniana? Acho que não: depois da sinfonia de Webern, que dura sete minutos e meio, a tensão chega a tal ponto que só desejamos o silêncio. Schoenberg escrevia também composições tonais, com procedimentos escolásticos: fugas e cânones. Tive oportunidade de ouvi-las em Berlin, executadas pelo ótimo coro da Academia de Arte; não tinham um estilo falso, divertissements, mas eram puro Schoenberg dos últimos anos. Ele justificava este retorno ao “centro” tonal com uma necessidade interior de reciclagem, um necessário treinamento durante a gestação extenuante do incompleto “Moises e Arão”. Pretendia que seus alunos estudassem antes as regras do tratado de orquestração de Berlioz e o contraponto mais rigoroso, não escondendo seu desprezo pelas tolas macaquices.
     Em arquitetura: porque a recusa de toda simetria possível encontrou tão poucos seguidores, quase um bloqueio, uma impossibilidade da consciência de realizar um salto? Mesmo a interpretação psicoanalística – simetria=homossexualidade – que em um país como o nosso deveria ter sido difundida, não serviu para criar adeptos. Preferiu-se camuflar a apagar qualquer amor residual pela simetria: esta exigência é realmente insuprimível. Como sair dela?
     Destarte, sem estreitar demasiadamente os vínculos entre a linguagem arquitetônica e a musical, mas deslocando o plano semiológico. Em relação ao plano da forma da expressão, os vínculos e coincidências entre música e arquitetura são bem estreitos; mas em relação ao plano da substância e da forma do conteúdo, os significados são totalmente diferentes. Schostakovic, em sua “Sinfonia de Stalingrado”, apresenta o contraste entre o invasor nazista e a resistência do povo russo através do contraponto de um tema muito rítmico e melodicamente estúpido e um estupendo canto popular (na cantata “Alexandre Newsky”, Prokofiev tinha utilizado outro recurso), porque queria narrar um fato, já acontecido. Mas a arquitetura e o design não narram acontecimentos; participam dos eventos, favorecendo a comunicação humana em todos os níveis, pessoais (a mesa sobre a qual escrevo), familiar (levanto os olhos e vejo meu filho que brinca com carros armados sobre o pavimento), de grupo (espero amigos, e minha mulher arruma a casa), social, etc.
     A substancia do conteúdo arquico é, portanto, bem diversa da musical e da literária; negar qualquer simetria e ritmo à forma de expressão é como negar o conteúdo, já que estas estruturas devem ser homólogas. A pergunta é: nos conteúdos arquicos existe ou não uma simetria e um ritmo? Vamos analisar um dado simples: uma cama, por exemplo. Ela hospeda o nosso corpo, exteriormente simétrica, onde dormimos, seu eixo de simetria longitudinal é justificado. Ao contrário o eixo transversal não é justificado, já que não se dorme indiferentemente de um lado a outro. Se isto acontece é somente por razões sintáticas (simplicidade construtiva) e por motivos pragmáticos (pode-se manipular o lençol), mas ninguém vetaria outras formas a apenas um eixo da simetria.
     
 Se passarmos da decoração aos espaços, deveremos encontrar sempre menos simetria na casa, por tantas razões: porque meu filho é diferente, como caráter, da minha filha; porque o norte não é o sul, nem o leste é oeste, porque o sol se põe sempre a noroeste, e porque um panorama melhor é visível apenas de um lado, enquanto do outro, um horrível arranha-céu; etc.
     Mesmo o ritmo não tem muitas razões de existir. Não existe motivo para que a casa do vizinho deva ser igual a minha, quando há aproximadamente quinhentos anos atrás Leon Battista Alberti advertia que bastariam uns dez metros para modificar o habitat de uma casa de campo: a presença de um cipreste, do vento, de um pedaço de terra, pode e deve modificar o esquema de uma casa, introduzindo pequenas variáveis independentes na forma do conteúdo. O espelhamento destas variáveis nas formas de expressão marca o caráter único distintivo de cada habitação, sendo assim reconhecida e apreciada entre tantas outras. Exatamente como acontece com os homens e a paisagem.
     Se passarmos da casa à escola, as coisas mudam. Não existe motivo para que eu, que ensino no curso A, tenha uma sala melhor daquelas do curso B, C, D. Neste caso, o ritmo de quatro salas de aula iguais não seria injustificado, contudo, a atual simetria interna da sala entedia a quem ensina, com o quadro negro atrás da cátedra, constringindo a gestos e piruetas, torcicolo e contínuas caminhadas. Franco Borsi, por exemplo, dava suas inesquecíveis aulas dentro de uma bela igreja barroca desconsagrada.
     Encontraremos mais simetria no conteúdo nas escolas médias do que nas universidades, nas casernas e cemitérios do que nos mercados, nos hospitais do que nos hotéis, nos bancos do que nos lugares de lazer. O que é bastante lógico, certas atividades humanas requerem ordem e ritmo, mesmo se desagradáveis, mais do que outras. O eixo de simetria das ruas – a faixa branca – é um artifício que nasceu muito depois do automóvel, com o objetivo de diminuir a possibilidade de sermos atropelados. O importante é que a forma da expressão acompanhe aquela do conteúdo, sem prejuízo algum – eis o ponto – para a assimetria.
     O “gosto pelo torto” dos geômetras “orgânicos” de Brianza é mais nocivo do que a simetria dos construtores um pouco bitolados, da periferia de Rovigo. O capricho das pousadas entre Rimini e Ravena provoca saudades das antigas simetrias toscanas. No entanto, as simetrias injustificadas são muito mais numerosas do que as assimetrias, e nasceram quase sempre porque a forma do conteúdo não foi compreendida, por pura preguiça mental. Um exemplo pessoal, perguntei a mim mesmo porque o ônibus italiano é rigorosamente simétrico, dado que o motor e o radiador ficam a parte, as três portas de um lado e nenhuma de outro. Refletindo, eu e meu amigo Roberto, desenhamos uma carroceria visivelmente assimétrica, com a calandra deslocada para cobrir exatamente o radiador (que, por sua vez, agora é mais arejado). Encontramos muita resistência no início, mas depois de um ano o “tipinho feio” chamou a atenção, tornando-se símbolo da administração pública milanesa, e ai de quem procurasse alterá-lo. Sobre os trens e cabines de comando, ainda não elaborei nada a partir da assimetria, mas espero cedo ou tarde faze-lo.
     Concluindo, muitos são os exemplos convincentes de simetrias injustificadas e assimetrias homólogas às formas do conteúdo. Isto prova somente o quanto é absurdo o predomínio acadêmico da simetria. A igreja wrightiana de Oak Park não perde nada por ter um eixo de simetria longitudinal; nem o ritmo do pórtico dos Inocentes causa tanto obsessão quanto aquele do tribunal de Nurimbergue.
     Encerrando, enquanto a simetria é uma forma dominante do classicismo acadêmico, a assimetria é a da linguagem moderna. Forma típica, dominante, mas não uma invariável, um sine qua non não transgressível. Obrigatoriamente, seria tão repressiva, nem mais nem menos, como a simetria, tenderia logo a fechar-se em um anti-código destinado a ser combatido como uma enésima ditadura. E isto vale também para o ritmo e a dissonância.
     Outros exemplos me ocorrem. O sidecar assimétrico é tecnicamente um monstro, perigosíssimo, felizmente já descartado. Ao contrário, o aeroplano é simétrico somente por preguiça mental. O avião de reconhecimento alemão Blohm-Voss 141, desenhado por Richard Vogt, voava melhor do que qualquer outro, embora provocasse medo ao vê-lo, com o motor de um lado e a cabine de outro. Foi a única maneira encontrada para um monomotor ter uma cabine com uma visão de 360O.
     A questão é esta: não deveriam existir simetrias formais expressivas pré-constituídas, mas somente relacionadas às formas do conteúdo. Quanto mais se escava neste conteúdo, mais ele é analisado em profundidade, recebendo ajuda da prossêmica, da antropologia e da psicanálise, sem esquecer da tecnologia (no caso dos meios de transporte); percebemos cada vez mais que as formas do conteúdo são prevalentemente assimétricas, arrítmicas e dissonantes.



























TERCEIRA INVARIÁVEL: TRIDIMENSIONALIDADE ANTIPROSPECTIVA
Esta terceira invariável repropõe o que foi afirmado por Giedion e Argan, concordando com a posição de Francastel sobre a destruição da perspectiva no espaço renascimental: cubismo, futurismo e neoplasticismo foram os movimentos telúricos que levaram ao fim o espaço figurativo, através de uma revolução paralela e contemporânea àquela realizada por Einstein no campo da física.
Reafirmá-la como componente essencial-invariável, portanto – da linguagem moderna, parece quase um pleonasmo, porque negá-lo é o mesmo que condenar aquela “perda do centro”, que o bom reacionário Dedlmayr se lamentava tanto, irritando o colega Adorno (“é sempre de Munique que chegam estes discursos...”).
Deveria ser inútil repetir aqui os raciocínios conseqüentes sobre a necessidade do envolvimento do fruidor, no espaço conceitualmente indissociável do tempo, porque todos já deveriam estar convencidos disto. Mesmo Rossi e os rossianos, com seu ambíguo “estranhamento”, não é claro aquilo que pretendem: o termo brechtiano em si é preciso, mas se refere a uma técnica específica de atuação sem o “coração na mão”: tudo na cabeça. Não vejo um paralelo preciso com a arquitetura, tão diferente é a forma do conteúdo. Vejamos ao invés quais formas do conteúdo – através desta invariável – são homólogas às escolhas expressivas.
Retirar o significado da fachada, uma arquitetura como soma de “ângulos” em perspectiva para uma fruição cenográfica, significa transferir os valores significantes essenciais dos elementos de contenção lateral do espaço arquico para um outro arquema: a planta do edifício. Quando Le Corbusier afirmava “le plan est générateur” não dizia outra coisa que isto: “primeiro, a planta do edifício”. Desta descendem os outros elementos que constituem os coremas espaciais. Sobre o projeto, é na planta que se compreende o significado de uma arquitetura, e não nas fachadas, que não possuem significado autônomo, mas apenas concordam, em medida diversa e inferior à planta, ao formá-la.
Na realidade, na arquitetura construída, se o valor semântico principal é  contido na planta, não sendo possível serrar um edifício na altura do homem, é claro que o significado não pode ser percebido a não ser percorrendo-o em torno e em seu interior, recusando um ponto de vista privilegiado. De fato, a vila Savoye na realidade é totalmente diferente de como é mostrada em uma fotografia: os fotógrafos, pelo gosto de uma bela imagem (estática por definição) privilegiavam certos pontos de vista. E Corbu, ambíguo como sempre sobre este ponto, nada fez em seus livros para eliminar “le jeu magnifique”, mais magnífico em certas fotos do que em outras. Este deslocamento de valores em direção à planta – retomamos Argan – corresponde em substituir o predomínio da contemplação estética pela fruição direta. Como conseqüência, um edifício não é tanto a representação de alguma coisa, mas um em-si, exatamente como acontece na pintura de Mondrian. Por outro lado, um “em-si” absoluto não existe: corresponderia à ausência de funções secundárias (no sentido de Eco), ou seja, à mítica objetividade ou Sachlikeit. Não existe como tendência legítima, tendência de fato de toda manifestação da arte moderna.
Ora, quais valores se comunicam melhor na planta do que no prospecto? Os valores funcionais, aqueles que denotam o desenvolver de nossa exigência em ato. Concluindo, o que esta invariável acrescenta às outras duas? Que a ressemantização preliminar da primeira invariável, como ressemantização dos coremas espaciais, não pode ser subordinada a uma concepção prospectiva, no mais, externa ao edifício. Para examinar a sintaxe tradicional, transformada em não-significante, é necessário não privilegiar nenhum ponto de vista, penetrando no vivo da arquitetura; naquilo que a contra-distingue como estrutura formal, no espaço interno. Corolário: a ressemantização global deriva também de um modus operandi diferente do fruidor, que antes de emitir um juízo global deve experimentar todos os espaços, porque somente através desta somatória (espaço-temporalidade, portanto), o significado torna-se preciso e ganha corpo, sem preconceito.







QUARTA INVARIÁVEL: DECOMPOSIÇÃO QUADRIDIMENSIONAL
Defender esta invariável parece, inicialmente, uma tarefa arriscada. É possível verificar sua existência seguindo a corrente de Wright, Rietveld e Mies, mas para outros grandes arquitetos, como Alvar Aalto, Scharoun, Mendelsohn e Michelucci, ela não se enuncia, ou se enuncia tão pouco que não pode ser reconhecida como invariável. Nem por isso negaremos o lugar que Aalto merece, nem reavaliaremos o post-racionalismo de Eiermann e Kraemer, rico de estilemas miesiano, lastre in aggeto, (vidraça em relevo), ângulos abertos... truques que não anulam sua fundação gélida e substancialmente repressiva.
A sintaxe analítica de De Stijl é didaticamente eficaz, até hoje o Pavilhão de Barcelona é o melhor exemplo de clareza sintática de toda história da arquitetura, mas sobre seu significado muitas dúvidas surgiram com o tempo. Um volume pode ser desmontado desde que se queira, transformando-o em vidraças para deixar passar ar e luz. Mas quem consegue provar que uma Villa de Neutra é mais “aberta” e inserida do que a casa Heurtley de Wright, volumetricamente bloqueada, mas somente em aparência? Quem diz que um edifício deve sempre se abrir para o exterior? A igreja de Ronchamp é bem pouco aberta. A Filarmônica ainda menos, mas seus significados requerem um isolamento provisório da “mundanidade” (no sentido de Heurtley), colocada daquele jeito entre parênteses, convidando os fiéis de Deus e da música “a um recolhimento”.
Um esclarecimento se faz necessário, se a decomposição quadridimensional diz respeito a toda articulação do edifício, como na Bauhaus, então nos situamos nas invariáveis (1), (2) e (3); uma vez que temos: (1) o repertório das funções, (2) dissonante, e (3) que dá forma à tridimensionalidade antiperspectiva: não vejo nenhuma decomposição das células espaciais. Se, ao contrário, é colocada em movimento a sintaxe DeStijl na relação entre cada um dos arquemas que concorrem para formar os coremas, então esta não é uma invariável, mas sim uma modalidade compositiva específica, e consequentemente estilística. Modalidade que não possui uma significação forte e universal, que pode ser usada ao lado de outra, por causa da liberdade prejudicial concedida pelo repertório.
Portanto, concluindo rapidamente, me parece que esta quarta invariável nada acrescenta de útil. Quer apenas relembrar que, se no repertório das funções, algumas delas aparecem requerendo maior abertura (física) e participação do externo, a sintaxe de De Stijl oferece um método compositivo mais simples  e rigoroso para realizá-lo. Portanto, um método sintático, mas não uma invariável, porque não existe uma correspondência nas formas do conteúdo.
Ao menos que não restringir o discurso ao campo, restrito, de Villas e similares, isto é, nas habitações que possuem uma relação direta com a natureza. Mesmo no exemplo indiscutível de Fallingwater, a decomposição diz algo mais, bem diferente do que De Stijl afirma. Nesta, cada espaço interior (excluindo os gabinetes), corresponde a um “duplo” externo, planimetricamente similar e ligado aos outros através de pontos e aproximações: assim como o pórtico nas casas toscanas, não são espaços internos, mas internos-esternos, ligações, pontes com a natureza. E esta afirmação tipicamente wrightiana de uma passagem gradual entre a máxima interioridade a uma completa exterioridade, num continuum móvel, com significados precisos, pode ser realizada também sem a sintaxe neoplástica. Wright frequentemente observava que os princípios semânticos de Fallingwater já tinham sido aplicados na casa Galé de 1908, e não via motivos para anunciar, com atraso, este milagre. No entanto, todos os motivos não tinham ainda sido apresentados, porque esta relação interno-externo não tinha sido expressa com tanta força na casa Galé; o domínio estrutural dos terraços avançados de Fallingwater. Isto é, apontando assim para a quinta invariável.











QUINTA INVARIÁVEL: ENVOLVIMENTO ESTRUTURAL
Esta invariável (“envolvimento de toda distribuição arquitetônica no jogo estrutural”) é tratada de maneira heterogênea. Um primeiro exemplo foi elaborado por Wright, que antecipa “a síntese de De Stihl, conduzindo-a a um aprofundamento lingüístico a partir de considerações estruturais”.
Mas então voltamos a quarta invariável, adicionando apenas uma motivação técnica àquela estética.
Não por acaso, no número 30 de Op. Cit. (p. 80) admite que a quinta invariável talvez possa ser deslocada, pois está vinculada a toda experiência da engenharia moderna, mesmo se Wright a relacionou às estruturas em revelo (ou avançadas), à decomposição da caixa (planta) em lastre (laje ou vidraça) dissonantes”. Esta invariável torna-se significativa apenas quando não é usada como demonstração de habilidade técnica. Quer dizer, se é uma invariável autônoma da engenharia moderna, puramente sintática, o mesmo não pode ser dito na arquitetura. É uma conseqüência do ponto (4), portanto um ponto (4.1); não uma quinta invariável. Se já tínhamos negado ao ponto (4) o caráter de uma invariável semântica, a fortiori, devemos negá-lo ao ponto (5).
Outros exemplos introduzidos sobre esta questão, mudam, no entanto, as cartas do baralho. Cita-se Nervi, mencionando o exemplo positivo do hangar de Ortebello e o negativo do Palazzo Del Lavoro, inútil mostrar a ligação entre espaço e estrutura. E voltamos a Wright, a propósito dos terraços com parapeito avançado (parapetto portante) de Fallingwater, que não é um feito clamoroso, estruturalmente falando: pois Maillart já os tinha projetado. O estranho é que outros dois exemplos de Wright muito mais evidentes não são citados. Primeiro. A revolução espacial do arranha-céu, e sua abertura orgânica para o exterior, não poderiam ser pensados sem uma formidável invenção estrutural de Wright: o septo em forma de cruz que constitui o esqueleto portante das torres de São Marco e Price. Somente assim, abolindo o retículo tradicional das pilastras, as células dos arranha-céus podiam ser sacudidas internamente e se abrirem ao exterior não apenas através dos vidros (pura abertura funcional), mas em sua própria conformação, que passa da un masso di internità centrale addirittura ad un affacciamento duplex. Na torre Price, espaço e estrutura, estrutura e forma coincidem de maneira milagrosa. Talvez irrepetível.
Segundo exemplo, oposto. Querendo delimitar e isolar os empregados dos escritórios Johnson, Wright revolucionou o conceito tradicional de espaço-escritório como unicum espacial, colocando uma selva de pilastras a fungo onde jamais tinham sido vistas. Um guarda-chuva para cada empregado, isolado da luz que vem do alto: eis como o exterior é reconquistado da maneira impensada: a arquitetura se transforma em bosque sacro, natureza. É a luz (dia e noite) como em Aalto, que sublinha esta vontade. Ora, retirem o septo em forma de cruz e a pilastra a fungo da bagagem de invenções estruturais wrightiana, e me digam como Wright poderia ter realizado estas duas obras primas absolutas. Em Mies, sempre paira a suspeita que a idéia estrutural faça agiotagem com a espacial, precedendo-a não somente nas últimas obras, mas também naquelas que surgem a partir de 1930. O significado, se coincide, é por um golpe de sorte (casa Tugendhat) ou por convenção (Town hall).
Podemos provisoriamente concluir que uma invariável da arquitetura moderna é o recurso à técnica, muitas vezes não usada ou mal usada para exprimir novos espaços. Mas é realmente uma invariável, isto é, uma conquista, ou somente um desejo piedoso? Afirma-se “A ciência, no setor de construção, ainda vegeta na era anti-diluviana. Um capital considerável de experiência que ainda não gerou renda”. Se confrontarmos o Palazzo di Cristallo com o Palazzo Del Lavoro, e o viaduto do Garabit com aqueles da ainda inacabada auto-estrada Florença-Roma, é preciso colocar as mãos nos cabelos. Cem anos de progresso? Sim, mas com passo do caranguejo.









SEXTA INVARIÁVEL: TEMPORALIZAÇÃO DO ESPAÇO
A temporalização do espaço já está implícita na terceira invariável, a tridimensionalidade anti-perspectiva: porque limitá-la à parte externa da arquitetura, enquanto a interna não signifique nada, é  negar a razão de exigência de uma arquitetura. Não consigo pensar numa arquitetura espaço-temporalizada somente a partir do exterior, mas também a partir de seus “vazios vividos”, porque conduz irremediavelmente à escultura. O que restou do edifício Bauhaus é suficiente para configurar a qualidade da vida interna daquela escola única, para se entender como a arquitetura se espelha até mesmo em suas contradições.
Parece-me que esta invariável, mais como “temporalização do espaço interno”, possa ser interpretada como uma qualidade específica das conexões espaciais internas e externas (também externas, sim: pensemos a relação entre dois terraços de Fallingwater), os quais mantém entre eles uma relação mais direta do que normal, constituindo uma cadeia coremática complexa, cujos anéis individualizados, não podem ser separados sem alterar o significado. A temporalização do espaço é certamente um pressuposto, mas significa também algo mais. Quer significar algo diferente? Isto é, a esta forma expressiva específica corresponde uma forma de conteúdo igualmente diferente, ou não? É uma questão importante, porque no caso de resposta positiva, estamos autorizados a falar de invariável; caso contrário trata-se somente de uma modalidade sintática, como a ex quarta invariável.
Quando Wright, nas casas Usonianas, coloca a mesa de jantar (e seu espaço relativo) entre a cozinha e a sala de estar, como se fosse uma dobradiça angulada, contraindo assim os espaços que eram na verdade quatro nas casas de pradaria – cozinha-escritório-sala de jantar-sala de estar – formando um único corema planimetricamente complexo e volumetricamente articulado. Esta operação não é destituída de significado: como a família patriarcal encontra-se em via de extinção, com toda vassalagem, restringindo-se agora a um núcleo familiar onde todos trabalham (o marido lava os pratos, os filhos colocam a mesa), o favorecimento de uma comunicação constante, o não isolamento, não apenas traz um melhoramento-funcional (à maneira de Neufert-Klein), misurável em metros de percurso poupados, mas sobretudo favorece a união do núcleo familiar em seu dia-a-dia.
Outro exemplo. O único foyer que envolve espacialmente a Philamornie, que também é articulada em vinte diferentes qualidades de espaço – um por um, não isoláveis, não representáveis,– significa algo de muito preciso: negar aos espectadores de um concerto a divisão das classes sociais, misturando os engravatados com os que vestem blue-jeans. O ideal – aqui executado – é que a bela jovem usando saia curta pode sentar como quiser ao lado de uma viúva com seu casaco de visão.
Independente do que possa acontecer ao interno de uma família ou de uma comunidade, esta ruptura das hierarquias tradicionais, que todos defendem com palavras, mas poucos com fatos, é certamente uma invariável do mundo moderno, e a forma deste conteúdo possui um nome preciso: democracia. Esta não pode se espelhar na forma da expressão como uma queda das barreiras arquitetônicas, como uma abertura dos coremas, que buscam ligações físicas estreitas, assim como se agrupam os homens que desejam colaborar entre si.
Digo mais: “comunismo” não significa de forma alguma que todos devam fazer juntos a mesma coisa (que era típico do nazismo, como estrutura do comportamento), assim em arquitetura não significa pensar em grandes espaços onde todos fazem de tudo (isto significa confusão; ou pior, aplaudir uns e maldizer outros), mas sim criar espaços onde cada um é capaz de expressar sua própria personalidade, isolando-se, comunicando-se com facilidade, como e quando quiser. Difícil? Sim, dificilíssimo. Impossível de ser cem por cento realizado, assim como a verdadeira democracia.
Como conclusão, como chamar esta sexta invariável, se quisermos relacioná-la ao seu significado? Democratização dos espaços? Fluidez espacial? Des-hierarquização? Os termos mais próximos deste sentido foram tratados ao final do capítulo: “projeto aberto, constantemente in fieri, temporalizado, não concluído”. A democracia deveria ser realmente assim. Se ao fim do projeto adicionamos “da sociedade”, vamos ter uma forma de conteúdo perfeitamente homóloga aquela da expressão. Vale precisar que “não concluído” não possui o sentido romântico do inconcluso, mas significa ao contrário: projeto concluído a cada dia, provisoriamente, pelos usuários, os quais participam ativamente e coletivamente de sua construção.

SÉTIMA INVARIÁVEL: REINTEGRAÇÃO EDIFÍCIO-CIDADE-TERRITÓRIO
Se a metodologia empregada no repertório constitui a primeira invariável da linguagem moderna, a reintegração edifício-cidade-território é a última. Estamos de acordo, tínhamos afirmado que no projeto aberto, temporalizado, já se operava uma reintegração no interior de toda arquitetura, haja vista que as ligações espaciais mais estreitas correspondem a uma ligação análoga entre as diversas funções, relacionadas analiticamente, e em seguida dispostas nos espaços abertos e multifuncionais.
No entanto – com razão – isto não é suficiente. A operação não termina no muro de uma casa. Se existe democracia dentro dela e isolamento fora, atingimos apenas a democracia neocapitalista, com seu caráter distintivo da burguesia neocapitalista: o predomínio da célula familiar como centro motor da sociabilidade. A reintegração deve, portanto, prosseguir, através de uma contínua expansão de escala. Sobre este ponto ninguém está em desacordo, mas existem muitas divergências de método, especialmente entre os mais jovens. Estes consideram esta expansão como a espada de Demócles, invalidando inexoravelmente qualquer projeto. E se enganam neste ponto. Porque, se dermos razão a eles, deveremos destruir tudo, até mesmo a Philarmonie de Berlin, já que a poucos passos dela nos deparamos com o famigerado Muro (a esquerda um outro muro, perfurado pelas balas que mataram Von Stauffenberg, na noite de 20 de julho de 1944).
Para desmontar este Muro, quanto tempo ainda será necessário? Não sabemos, nem é uma tarefa para os arquitetos destruí-lo. Ao invés, é no contraste com a Philamonie, na confiança que ela exprime aos homens, que o Muro cresce em sua tragicidade, com seu significado horrível. É a dissonância perfeita se compararmos ao espaço scharouniano, que acolhe ricos e pobres, negros e amarelos, Bach e Schoenberg, fazendo com que o Muro se torne ainda mais abjeto, com sua forma arquitetônica que divide os pais dos filhos, os irmãos das irmãs, as obras de Schinkel das de Mies, o altar de Pérgamo do cinema Universum de Mendelsohn.
Se um dia felizmente o muro for derrubado, a Philarmonie também será reavaliada; é com esta disposição que Scharoun e os fruidores podem e devem testemunhar. Que mais podemos fazer enquanto arquitetos? Parece pouco? É preciso também esclarecer como será conduzida esta operação de reintegração. Certamente não de maneira global, visto que o inimigo é tão forte, e sabe se travestir com uma esperteza não identificável. A luta dos partigiani e o Vietnam devem ter nos ensinado alguma coisa: a única luta possível é mediante continuas ações de protesto, sem perder nenhuma ocasião, inventando todo dia a estratégia mais eficaz, assumindo pessoalmente riscos e responsabilidades.
A cidade do futuro – a cidade do povo – se for construída, só poderá sê-la por pedaços, com muito esforço de cada um de nós. De outra forma, será o caos, a morte da civilização registrada na morte da arte; ou a “Metropolis” de Fritz Lang, sonho nazista em perfeita configuração com a cidade social-mecanicista do futuro.
Conclusão
Através das sete invariáveis foi também elaborado um método operativo, isto é, esquematizado um traço de composição. Nas apostilas anexadas na segunda edição, se esclareceu que as invariáveis possuem uma ordem precisa (com exceção da quinta, que foi colocada em suspenso também por nós) que pode se transformar numa tabela, como estações de um percurso do projeto. Dividiremos o gráfico em dois: formas do conteúdo e de expressão, mostrando as homologias entre significado e significante.

Como conclusão – absolutamente “in fiere, aberta” – é que quatro invariáveis permaneceram: (1), (3), (6), (7); a (2) é apenas um espelhamento da primeira; a (4) e (5) foram desclassificadas como úteis modalidades do projeto.

Giovanni Klaus Koenig

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