Um Homem sério.ou um “mentsch”
Um homem sério é um filme falado em inglês ,legendado em português e pensado em iidish.Um “mentsch” significa um grande homem ,titulo honorifico que a comunidade dá ao “Ben Adam”,filho do homem primordial ,o arquétipo que determinou Adão e seu filhos
Para quem não entende esta face da cultura judaica pós holocausto torna-se difícil(ou quase impossível) entender o filme dos irmãos Coen (ou Cohen como se pronuncia literalmente em hebraico que é a classe sacerdotal do templo em Jerusalém)
Primeiro porque ele trata de um arquétipo o Dibuck recorrente em todas as famílias judaicas principalmente àquelas que desejam ardentemente esquecerem suas origens.
Muito mais profunda que a cultura iluminista que pinta o judeu como um herói do pensamento (como Freud ou Marx) ou da ciência (como Einstein) o Dibuck como o “Shlimazel ou o “Schlemiel” é o desconhecido “encosto” persecutório presente no DNA judaico.O Schlimazel é o azarado que derruba sempre a sopa.O Schlemiel é o azarento em quem a sopa cai.
A primeira parte do filme falada num iidish (dialeto dos judeus ashquenazi da Europa Oriental) já mostra o peso que é ser “o povo eleito” .O Dibuck é o fantasma que aparece em todos os judeus como a bipolaridade .O “mishiguene” é o louco que está em todos nós.É a pulsão de um herança de glórias e sofrimentos
O personagem principal é bom , é um “tzadick” (justo)como devem ser todos os garotos que se prostraram diante daquele dedo de prata no seu Bar Mitzvah (cerimônia dos treze anos dos meninos judeus).Tem um irmão gênio esquizofrênico.Uma mulher que ama seu amigo seboso e caricaturalmente “soft and light” um zen forçado e falso contaminado pelo” new age” do reformismo judaico
Os afetos e ódios transitam dentro deste contexto judaico , a escola,a sinagoga e a relação com um mundo novo representado por uma cultura recém ingressa no universo americano como é a coreana com valores totalmente diferentes
Uma geração apavorada com o o dibuck anti-semita representado pelo caçador-vizinho sempre propenso a invadir os limites (mais psicológicos do que reais) e a ameaça à sexualidade travada pelo espectro da “iidishe mome”( a super mãe judia) tão decantada por outro cineasta judeu tipicamente novaioquino,Woody Allen
O absurdo Kafkiano ( que era judeu,tcheco de cultura alemã e pensava em idish ) das relações com o advogado dúbio ,com três gerações de rabinos (que representam as três grandes correntes do judaísmo contemporâneo,ortodoxos,conservatives e reformistas) numa história ambígua como a do dentista que descobre letras nos dentes de um “goy (não-judeu)” estúpido e as interpreta como um sinal de “hachem” (literalmente o nome do impronunciável) .Uma história que não tem fim pois este é o destino destas historias judaicas( o dibuck da múltiplas expulsões,a inquisição, do holocausto),múltiplos enredos e fins dentro de uma paranóia de cartas apócrifas ,culpas e duvidas diante do estranho
O “radinho” e a nota de 20 dólares representam a conquista da individualidade culposa do jovem judeu americano
O professor de hebraico representa este novo momento na história judaica,o advento da Utopia do Estado de Israel e a criação de uma língua nova o hebraico este esperanto bíblico que integrará o povo judeu num futuro magnânimo e messiânico .Não é mais o iidish,o alemão,polonês,russo mas o “ivrit” hebraico que supostamente fará deste judeu um homem novo,livre dos preconceitos mas não é tampouco a voz e a musica de um radinho portátil e um fone de ouvido.Esta é de fato a liberdade fictícia que todos desejamos (como o é o celular ).É hilário (para quem entende hebraico) ouvir o “moré” (professor) gritar “Chequet iealadim” (calados,calados ,estudantes) Pois o dibuck da cultura possessiva e invasiva do judaismo imigrante, é absolutamente intolerável e cala qualquer movimento libertário.O jovem na America deve nascer como “ winner” (vencedor ) milionário , doutor em alguma coisa de preferência a medicina.
Este discurso dúbio ( que alguns psicanalistas chamam de “duplo vínculo”) é por um lado o começo de um processo esquizofrênico ou do outro a “individuação”.Não é a toa que existam tantos neuróticos e psicanalistas judeus
O Bar Mitzvah que aparece nos filmes de Hollywood não é exatamente aquilo que sente um jovem judeu de 13 anos.É um verdadeiro terror só comparável ao “brit milah” ,a circuncisão.A cena na Sinagoga ,no púlpito, diante de todos os personagens caricatos foi expressa pelos diretores como é de fato para os meninos (como eu) com o artifício deformante da câmera . O personagem vê o mundo com alteridade e compaixão ancestral .A obra de seu irmão é como a cabala,a tradição,ou melhor “outra” tradição com seu amuletos e desenhos.Esse irmão pedófilo.imoral mas um menino inocente é também bom e é essencial para a constituição de cada um de nós .(o amor judaico é um espelhamento um “face to face” portanto exige a compreensão do outro como a obra incompleta de “Hachem” )
A história termina quando o personagem exerce o “mandato” de pai .De certa forma é dizendo-agora é sua vez de sofrer..”.ingale”(menininho)
Entretanto o “Dibuck” que reaparece na forma de um rabino que diz coisas sem pé nem cabeça(o desconhecido fala uma língua que re-conhecemos) mas entende que a “individualização” é um direito exclusivo desta passagem pelo deserto só comparada ao tornado que parece ser um mero espetáculo diante da realidade interior.
É bom lembrar que o filme também se inspira em dois outros clássicos do cinema expressionista como o “ Dibbuck” e o “Golem” e é um tributo à literatura iidish
Para um judeu que assiste este filme é uma tragicomédia mordaz.deliciosa e para os “goyim” (não-judeus) é uma oportunidade de conhecer uma outra face da cultura judaica.
Os Coen (os sacerdotes da luz cinematográfica) puderam desta maneira se encontrar com seu dibuck e transcenderam toda sua produção cinematográfica e encontrarem metaforicamente com seu radinho de pilha.
Imagens dos clássicos expressionisats “Der golem” e “Der dibbuck”
Izaak Vaidergorn
sábado, 5 de junho de 2010
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